sábado, 28 de julho de 2007

TESES SOBRE O GROUCHO-MARXISMO, por Bob Black



1
Groucho-marxismo, a teoria da revolução cômica, é muito mais que um projeto para a luta de classes: como uma luz vermelha numa janela, ele ilumina o destino inevitável da humanidade, a sociedade desclassificada (1). G-Marxismo é a teoria da folia permanente. (Aí, garoto! Até que enfim, eis um ótimo dogma).

2
O exemplo dos próprios Irmãos Marx mostra a unidade da teoria e prática marxista (por exemplo, quando Groucho insulta alguém enquanto Harpo depena sua carteira ). Além disso, o marxismo é dialético (Chico não é o clássico comediante dialético?). Comediantes que fracassam em sintetizar teoria e prática (para não mencionar aqueles que fracassam totalmente em pecar) são não-marxistas. Comediantes posteriores, fracassando em entender que a separação é “o discreto charme da burguesia”, decaíram para meras gafes, por um lado, e mera tagarelice, por outro.

3
Como o G-Marxismo é prático, seus feitos não podem nunca ser reduzidos ao mero humor, entretenimento ou “arte”. (Os estetas, afinal de contas, estão menos interessados na interpretação da arte do que na arte que interpreta.) Depois que um genuíno marxista assiste a um filme dos Irmãos Marx, ele diz para si mesmo: “Se você achou isso engraçado, preste atenção à sua vida!”.

4
G-marxistas contemporâneos devem decididamente denunciar o “Marxismo” vulgar, de imitação, dos Três Patetas, Monty Python, e Pernalonga. Em vez do marxismo vulgar, devemos retornar à autêntica vulgaridade marxista. Retoficação (2) serve igualmente para aqueles camaradas desiludidos que pensam que “a linha correta” é o que o tira faz quando manda eles pararem no acostamento.

5
Marxistas com consciência de classe (isto é, marxistas conscientes de que não possuem nenhuma classe) devem rejeitar a “comédia” anêmica, da moda, narcisista, de revisionistas cômicos como Woody Allen e Jules Feiffer. A revolução cômica já ultrapassou a mera neurose – ela é risonha mas não risível, discriminante mas não discriminatória, militante mas não militar, e aventurosa mas não aventureira. Os marxistas percebem que hoje você deve olhar no espelho de uma casa assombrada de parque de diversões para se ver da forma que você realmente é.

6
Embora não totalmente desprovido de vislumbres de insight marxista, o (sur)realismo socialista deve ser distinguido do G-Marxismo. É verdade que Salvador Dali deu uma vez a Harpo uma harpa feita com arame farpado; no entanto, não há nenhuma evidência de que Harpo alguma vez a tenha tocado.

7
Acima de tudo, é essencial renunciar e execrar todo sectarismo cômico como o dos trotskos eqüinos. Como é bem sabido, Groucho repetidamente propunha o sexo mas se opunha às seitas. Para Groucho, havia uma diferença entre ser um trotsko e estar louco para “trotar” (3). Além disso, o slogan trotsko “Salários para o Trabalho Eqüino” cheira a reforma, não a folia. Os esforços trotskos para reivindicar Um dia nas Corridas e Os Gênios da Pelota como de sua tendência devem ser indignadamente rejeitados; na verdade, A Mocidade é Assim Mesmo está mais na velocidade deles (4).

8
O assunto mais urgente que os G-Marxistas confrontam hoje é a questão do partido (5), que - ao invés do que pensam “marxistas” ingênuos, reducionistas – é mais que apenas “Por que não fui convidado?” Isso nunca foi impedimento para Groucho! Os marxistas precisam de seu próprio partido disciplinado de vanguarda, pois eles são raramente bem-vindos aos de qualquer outro.

9
Guiadas pelos dogmas fundamentais do desbehaviorismo e do materialismo histérico, as massas inevitavelmente abraçarão, não apenas o G-Marxismo, mas também mutuamente uns aos outros.

10
O Groucho Marxismo, então, é o tour de farce da comédia. Como seguramente se diz que Harpo falou:
“Em outras palavras, a comédia será revoltosa ou não será!” Tanto por fazer, tantos para fazê-lo! Sobre seus Marx, está dada a largada! (6)



Notas:
1. No original, déclassé. (N. do Tradutor)
2. “Rectumfication”, neologismo bricalhão que Black inventou a partir de “retificação” e “reto” (rectum, canal do ânus). (N. do T.)
3. Trocadilho aqui intraduzível entre “Trots” (trotskistas) e “hot to trot” (excitado para trepar), sem esquecer a brincadeira com os eqüinos pois “to trot” significa trotar. (N. do T.)
4. Um dia nas Corridas (A Day in the Races) e Os Gênios da Pelota (Horse Feathers) são filmes dos Irmãos Marx, enquanto A Mocidade é Assim Mesmo (National Velvet) é um velho drama onde Liz Taylor atuou ainda garota. (N. do T.)
5. Mais um trocadilho neste texto pleno deles: “party” é tanto partido quanto festa em inglês. Para entender a piada melhor, leia o parágrafo com os dois significados, substituindo onde houver “partido” por “festa”. (N. do T.)
6. Outro trocadilho praticamente intraduzível, desta vez com a exclamação que dá início a competições de corrida : “On your marks, get set –go!” aqui trocada por “On your Marx, get set – go!”. (N. do T.)


Tradução de Ricardo Rosas


Fonte: Página de Bob Black na Spunk (www.spunk.org/library/writers/black/).

Sobre o anarquismo e outros impedimentos para a anarquia, por Bob Black


Necessitamos de anarquistas sem as travas do anarquismo. Então, e só então, podemos começar a obter um fomento sério da anarquia.
Sobre o anarquismo e outros impedimentos para a anarquia Atualmente não há a necessidade de produzir novas definições do que é o anarquismo - seria difícil superar aquelas concebidas há muito tempo por vários eminentes estrangeiros já falecidos. Nem necessitamos demorarmos nos familiares anarco-comunismo e anarco-individualismo, nem nos demais, os livros cobrem tudo isso. Mas o problema é que não estamos hoje mais perto da anarquia do que estavam em seu tempo Godwin, Proudhon, Kropotkin e Goldman. Há muitas razões, mas aquelas que merecem maior reflexão são as que os anarquistas mesmo geram, já que estes obstáculos - se há algum ? podem ser removidos. É possível, mas não provável. O que considero, segundo meu julgamento, depois de anos de votação e em ocasiões de uma espantosa atividade no meio anarquista, é que os anarquistas são a principal razão - suspeito, uma razão suficiente - pela qual a anarquia permanece como um epíteto sem uma oportunidade de ser realizada. Muitos anarquistas são, francamente, incapazes de viver de uma maneira autônoma e cooperativa. Uma boa parte deles não são muito brilhantes. Eles tendem a ler seus próprios clássicos e a literatura produzida pelo próprio grupo, excluindo um conhecimento mais amplo do mundo em que vive. Essencialmente tímidos, se associam com outros iguais a eles com o conhecimento tácito de que nada medirá as opiniões dos demais nem atuará contra praticamente nenhum estandarte de inteligência crítica; que nenhum de seu, ou seus, ganhos individuais estará muito por cima do nível prevalecente; e, sobretudo, que nada desafia as regras da ideologia anarquista. O anarquismo não é em grande medida um desafio à ordem existente, anteriormente é uma forma sobre-especializada de acomodar-se nela. É um modo de vida, ou um anexo de uma, com sua mistura particular de recompensas e sacrifícios. A pobreza é obrigatória, e pela mesma razão se exclui a pergunta sobre se este anarquista pode ser alguém na vida ou um fracassado, apesar da ideologia. A história do anarquismo é uma história incomparável de derrota e martírio, os anarquistas ainda veneram seus antepassados feitos de vítimas, com uma devoção mórbida que levanta a suspeita de que os anarquistas, como todos os demais, pensam que o único anarquista bom é um morto. A revolução ? a revolução vencida ? é gloriosa, mas pertence aos livros e panfletos. Neste século ? a Espanha em 1936 e a França em 1968 são casos sumariamente claros ? o arrebatamento revolucionário surpreendeu ao oficial, os anarquistas organizados chegaram tarde e inicialmente não apoiaram as propostas, ou ainda pior. A razão disso não se encontra longe; não é que esses ideólogos foram hipócritas (alguns o eram), mas eles trabalhavam em uma rotina diária de militância anarquista, alguns deles esperavam inconscientemente suportar indefinidamente, já que a revolução não era imaginável realmente no aqui e agora, por isso eles reagiram com medo e em atitude defensiva quando os eventos se distanciaram de sua retórica. Em outras palavras, se lhes permite escolher entre anarquismo e anarquia a maioria dos anarquistas irão optar pela ideologia do anarquismo e sua subcultura ao ter que dar um perigoso salto ao desconhecido, dentro de um mundo de liberdade estatal. Mas desde que os anarquistas são as únicas críticas confessas do estado como tal, estes populares temerosos da liberdade deveriam assumir, inevitavelmente e de maneira proeminente, ou ao menos publicitária, seus lugares em qualquer insurgência que fosse genuinamente antiestatal. Eles são seguidores, encontraram os líderes de uma revolução que ameaçará seus status estabelecidos não menos do que podem fazer os políticos e os proprietários. Os anarquistas podem sabotar a revolução, conscientemente ou de outra maneira, que sem eles poderiam ter abolido o estado, repetindo sem pausa aos antigos debates entre Marx e Bakunin. De fato, os anarquistas que assumiram esse nome não tem feito nada para mudar o estado, não com escritos cheios de verborréia ilegível, e sim com o exemplo contagioso de outra maneira de se relacionar com as demais pessoas. Quando os anarquistas conduzem as questões do anarquismo são a melhor refutação das pretensões anarquistas. Na realidade, as duas ?federações? de trabalhadores mais organizadas da atualidade na América do Norte têm entrado em colapso por tédio e amargura, e uma coisa boa também, porque a estrutura social informal do anarquismo, que o atravessa, é ainda hierárquica. Os anarquistas se submetem placidamente ao que Bakunin chamou de ?governo invisível?, que no caso consiste nos editores (de fato se não no nome) de um maço das maiores e mais duradouras publicações anarquistas. Estas publicações, apesar das diferenças ideológicas aparentemente profundas, de antemão seus leitores têm posições similares de ?papai sabe o que é bom? assim como um acordo de cavaleiros para não permitir ataques entre eles que exporiam as inconsistências e por outra parte minaria o interesse da classe comum na hegemonia da gente comum anarquista. Por incrível que pareça, você pode criticar facilmente ao Fifth Estate e o Kick It Over em suas próprias páginas nas quais criticam, digamos, a Processed Wolrd[*]. Cada organização tem mais em comum com qualquer outra do que têm com qualquer desorganizado. A crítica anarquista do estado, se só os anarquistas as entendem, é sem dúvida um caso especial de crítica contra a organização. E inclusive a certo nível as organizações anarquistas se dão conta disso. Os anti-anarquistas podem concluir que se não há hierarquia e coerção, a deixem sair em público, mostrando claramente como é. Ao contrário dessas autoridades (os direitistas ?libertários?, os minarquistas, por exemplo) eu persisto obstinadamente em minha oposição ao estado. Mas não porque, como os anarquistas reflexivamente declaram, o estado não seja ?necessário?; as pessoas comuns desacreditam essa verdade anarquista e a consideram absurda, como devem fazê-lo. Obviamente, em uma sociedade industrializada como a nossa, o Estado é necessário. O ponto é que o Estado criou as condições nas quais é de fato necessário, desapossando os indivíduos de seu poder, de se associarem voluntariamente no dia a dia. De maneira mais fundamental, as bases do Estado (trabalho, moralismo, tecnologia industrial, organizações hierárquicas) não são necessárias senão como antíteses para a satisfação de nosso desejo e necessidades reais. Desafortunadamente, a maioria das tendências do anarquismo apóia essas premissas, mas opondo-se a sua conclusão lógica: o Estado. Se não houvesse anarquistas o Estado teria que inventá-los. Sabemos que em muitas ocasiões ocorreu exatamente isso. Necessitamos de anarquistas sem as travas do anarquismo. Então, e só então, podemos começar a obter um fomento sério da anarquia.



NOTAS [*] Nome de diferentes revistas anarquistas dos Estados Unidos, as primeiras de tendência primitivista, no entanto a segunda tem um caráter mais anarcosindicalista. (Nota do ?tradutor?)
URL:: http://celulazero.blogspot.com/

Meu problema com o anarquismo, por Bob Black


O anarquismo sempre foi problemático, para mim. Ele me ajudou a atingir uma perspectiva antiestatista e anticapitalista incondicional em meados da década de 70, e no entanto minha primeira declaração pública sob aquela perspectiva explicava por que eu não me identificava com o anarquismo. Pela definição do dicionário sou um anarquista, mas o dicionário é só o inicio do saber. Ele não pode levar coerência para onde contradições abundam ou reduzir diferenças a uma unidade, chamando-as pelo mesmo nome. Quando uma idéia é lançada na história, parte cada vez maior de seu significado vem de sua experiência. Apelos saudosistas para retornar aos principios originais provam isso,porque também fazem parte da historia. E, da mesma forma que nenhuma seita protestante conseguiu realmente recriar a Igreja primitiva, nenhum fundamentalismo anarquista subsequente jamais restabeleceu, ou pôde restabelecer, o anarquismo puro no modelo bakunista, kropotikista ou outros. qualquer coisa que tenha entrado de maneira relevante na pratica dos aarquistas tem lugar no fenômeno processual anarquista , sendo ou não logicamente dedusivel dessa história , ou ate mesmo contradizendo-a. Sabotagem , vegetarianismo, assassinato , pacifismo, amor livre, cooperativas e greves são todos aspectos do anarquismo que os detratores anarquistas tentam menosprezar como atividades antianarquicas. Chamar a si mesmo de anarquistas significa se predispor à identificação com uma gama imprevisível de associações, um conjunto que raramente significara a mesma coisa para duas pessoas, inclusive para dois anarquistas. (A mais previsível delas é a menos exata: um cara que explode bombas. Mas anarquistas já lançaram bombas , e alguns ainda lançam.) O problema dos anarquistas é que eles acham que concordaram sobre aquilo a que todos eles se opõem - o Estado - quando na verdade só estão de acordo sobre o nome que lhe dão. Seria possível provar que os maiores anarquistas não eram, em absoluto, anarquistas. Godwin queria que o estado murchasse, mas gradualmente, e não antes que o progresso do esclarecimento preparasse as pessoas pra se virarem sem ele. Isso na verdade, parece legitimar o estatismo existente e culminar na idéia banal de que , se as coisas fossem diferentes, não seriam as mesmas. Proudhon, que serviu na legislatura nacional francesa, acabou chegando a uma teoria do federalismo que nada mais era a devolução da maior parte do poder de estado aos governos locais. As comunas livres de Kropotkin podem não ser nações-estados, mas certamente parecem cidades-estado. Naturalmente, nenhum historiador deixa de achar ridícula a afirmação de Kropotkin de que as cidades medievais eram anarquistas. Se alguns dos maiores anarquistas, vistos de perto, parecem um tanto aquém de alguma consistência a respeito do próprio princípio definidor do anarquismo - a abolição do Estado - é muito surpreendente que alguns dos luminares menos importantes sejam, por sua vez, pouco brilhantes. Para quem o ver de fora, O Grande Sindicato Único - que também defende o dever do trabalho - é um enorme Estado, e totalitário ainda por cima. Algumas "anarcofeministas" são queimadoras de livros. Dean Murray Bookchin abraçou a politica de terceiro partido² e o estatismo municipal, assustadoramente ao movimento/milícia protofascistas Posse Commitatus³, que quer abolir todo governo acima do nível de condado. E o "governo invisível" dos militantes anarquistas de Bakunin é, na melhor das hipóteses , uma escolha infeliz de palavras, especialmente saindo da boca de um maçom. Os anarquistas não se entendem sobre trabalho, industrialismo, sindicalismo, urbanismo, ciência, liberdade sexual, religião, e um sem numero de coisas mais importantes, especialmente quando tomadas em conjunto. Há mais pontos discordante do que qualquer coisa que os una. Cada um dos "encontros" anuais do anarquismo norte americano que aconteceram entre de 1986 a 1989 - a primeira vez que a maioria desses anarquistas viu um ao outro frente a frente - , resultou numa hemorragia dos desiludidos. Ninguem quer saber de organizar o próximo, embora alguns encontros regionais tenham dado bons resulktados. Mas apesar dos demagogos, doutrinários e débeis mentais, parte da imprensa anarquista, conseguiu ventilar um pouco o movimento, para alegria não só dos cabeças-de-vento, e o oxigênio é antiséptico. Os anarquistas, ou melhor, os anarquistas marginais, muitas vezes sabem o que carregar e o que deixar para trás . Uma familia de heteroxias que denominei anarquismo "Tipo 3" ou "watsoniano" abriu muito espaço entre os tradicionalistas nos últimos anos. Os Tipo 3, a cateporia dos inclassificáveis, enriquecem seu anarquismo (ou seja la o que for) com empréstimos do neoprimitivismo ( ou então do neofuturismo!), do surrealismo, do situacionismo, das religiões piadistas (discordiana, ciência mooreana, Sub-Genius), da cultura punk, da cultura da maconha e da cerveja e da cultura beat. Alguns anos atrás , os proletaristas, em minoria, lançaram uma campanha de ódio aos Tipo 3, entre outros - pendurando neles ( ou devo dizer lumpendurando?) a pecha imbecil de "neo-individualistas". nós somos parasitas sociais, místicos, masturbadores e de maneira geral, selvagens sem moral. Sim , mas eles são universitários com capacetes de construção de grife. Os anarquistas... ruim com eles, pior sem eles. Como informei uma vez a Demolition Derby, os anarquistas podem ser péssimos camaradas, mas são ótimos clientes. Em 1985 fiquei tão enojado de todos eles que rompi meus laços de vez. Com o passar dos anos, isso perdeu o sentido, porque ficou difícil de dizer exatamente o que era " anarquista" o suficiente para merecer ser boicotado. Agora eu faço uma analise caso a caso. Este texto é uma galeria de vilões. A alguns dos anarquistas que eu respeito, como Ed Lawrence e Hakin Bey , mostrei minha estima em outros artigos. enquanto isso , eu retomo a luta contra a terminologia. Sou anarquista ou não sou? Como Feral Faun e outros, eu me viro contrapondo " anarquia " a "anarquismo". Mesmo se essa distinção " pegar", como chamar os respectivos partidos? Eu sugiro o seguinte: que os "anarquia-istas" se autodenominem anarcos(4), uma palavra cuja primeira ocorrência conhecida - em Paraíso Perdido - de Milton! - antecede anarquista em nove anos. é melhor porque, como a distinção corresponde monarca e monarquista, ela designa não aquilo em que nós acreditamos, mas o que somos , até onde nosso poder permite: poderosos em nós mesmos. por vezes demais os anarquistas me passaram sermão pedindo que eu evitasse as "rivalidades" e "conflitos internos" para combater melhor "o verdadeiro inimigo", expressão com que se referem a alguma abstração convenientemente remota como o capitalismo ou o Estado. Que arrogante, para pessoas que me acusam de ser arrogante, me dizer que elas enchergam meus verdadeiros inimigos melhor do que eu. Já refutei o argumento quando me foi apresentado na sua forma mais sedutora - a lisonjeira sugestão de que meus inimigos não são dignos de mim. Posso dispensar a versão padrão , mais tosca dele, como uma trama cínica e egoista para escapar das minhas criticas, redirecionando-as. Embora possa ter sido proposto de boa fé, é bobagem. Zorro e Tonto estão cercados pelos índios. Zorro diz : " Parece que desta nós não escaparemos, velho amigo". E Tonto diz: " Nós quem, cara palida? " "O verdadeiro inimigo é a totalidade dos limites físicos e mentais com os quais o capital, a sociedade de classes, o estatismo ou a sociedade do espetaculo desapropriam o dia-a-dia, do nosso tempo de vida. O inimigo verdadeiro não é um objeto separado da vida. É a organização da vida por poderes distanciados dela e voltados contra ela. O aparato , não o seu quadro de funcionários, é o inimigo verdadeiro. Mas pelos apparatchiks, e mediante eles, e todos os outros que participam do sistema, que a dominação e a falsidade se tornam manifestas. A totalidade é a organização de todos contra cada um e de cada um contra todos. Ela inclui todos os policiais, todos os assistentes sociais, todos os funcionários de escritórios, todas as freiras, todos os colunistas de segunda pagina, todos os chefões do trafico de drogas , de Medellin a UpJohn (5), todos os sindicalistas e situacionistas. Isso não é retórica, para mim , é algo que inspira as minhas escolhas. Implica que posso esperar encontrar ações e, opiniões e personalidades autoritárias entre os anarquistas como em qualquer outro lugar. "Camaradas" não são meus camaradas - nem eu sou, nos meus piores momentos, meu próprio camarada - quando eles, ou eu, nos comportamos como " o inimigo verdadeiro". Não existe inimigo verdadeiro fora das açoes humanas. E que lugar melhor para os autoritários se aninharem do que entre os anarquistas, tão facilmente absorvidos por rótulos, tão facilmente deslumbrados por valores chamativos de produção, e tão facilmente confundíveis perante os fatos? Embora ela seja só um tipo ideal, a personalidade autoritária esta quase que completamente realizada em anarquistas como Jon bekken, Michael Kolhoff, Chaz Bufe, Fred Woodworth e Chris Gunderson, e em antiautoritários como Caitilin Manning, Chris Carlsson, Adam cornford e Bill Brown. ( Antiautoriatario, que historia essa palavra poderia contar. Como disse Bill Knot, "Se antiséptico bucal falasse...") Se os anarquistas são capazes de atitudes autoritárias e de incoerência ideológica, eu não devo chamá-los cegamente de camaradas, mas do que chamaria de camarada um guarda rodoviário ou um vendedor de carros usados. O rotulo não é uma garantia. Um motivo importante para minha dissociação do anarquismo em 1985 foi impedir qualquer reivindicação da minha lealdade ou isenção de critica , baseada no farto de que "nós" estamos do mesmo lado. Para um verdadeiro camarada as criticas seriam bem-vindas. Falar das minhas rivalidades, em geral, é bobagem. Embora não exista separação definitiva entre o pessoal e o político , especialmente, quando se é uma pessoa tão política quanto eu, richas predominantemente pessoais não tem lugar neste livro. Um argumento não se torna rivalidade só porque eu o levo além do costumeiro estagio do monólogo ou porque outro cara começa a me xingar. Ideólogos que não têm capacidade ou maturidade para defender com profundidade suas opiniões deveriam guardá-las para si próprios, especialmente quando publicam revistas. Fui acusado de abuso de força pelos atentado contra os editores anarquistas Fred Woodworth e "Spider Rainbow". É difícil dizer . Spider Rainbow de fato secou e morreu, mas a cada minuto nasce outro dele. Woodworth continua agonizando, porque nada que não tenha realmente vivido pode morrer: eu escavei a múmia e suas momices. A medida adequada do valor de minhas palavras não é a envergadura de meus assuntos. Eles não precisam ser importantes para serem úteis, para variar.



Notas: (1)Este texto foi escrito como introdução ao capítulo sobre anarquismo -melhor, sobre anarquistas - do meu livro Beneath the underground (1994). (2)"third party" , no original, é a forma como são conhecidos nos EUA quaisquer partido políticos que não sejam republicanos ou democratas. (N.E.) (3) Movimento de extrema direita que se opõe ao governo dos EUA e defende um localismo radical. Não há uma organização nacional, e as unidades locais são autônomas.(N.E.) (4)"anarchs" no original. (5) Gigante farmacêutica criada em 1886, cujos ativos foram adquiridos recentemente pela Pfizer. (N.E.) Tradução: Michele de Aguiar Vartuli

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Para Refletir...



Segundo a ONU, somos hoje seis bilhões de seres humanos. Quatro quintos vivendo apenas para trabalhar em troca de alimentos. Um bilhão e 300 milhões recebem um dólar por dia; dois bilhões recebem menos de um, e 30% da população ativa está desempregada.841 milhões passam fome.São cerca de um bilhão e 150 milhões de crianças. Destas, mais de 200 milhões estão desnutridas. Outros 100 milhões vivem nas ruas e 250 milhões entre cinco e 14 anos trabalham.A cada ano um milhão de crianças entra no comércio sexual. Quem é o responsável por tamanha disparidade? Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento informa que o patrimônio de 358 pessoas é maior que a renda anual de 45% da população da terra. As 200 maiores corporações, que representam um terço da atividade econômica mundial, empregam somente 0,75% (menos de 1%) da mão de obra disponível no planeta. Dos 27 trilhões do Produto Mundial Bruto, 20 trilhões cabem aos países industrializados. Os sete trilhões restantes ficam para os demais, que representam 80% da humanidade.


Mas essa disparidade, produto de uma economia predatória em benefício de poucos, deixaria seqüelas.O Fundo para a Alimentação e Agricultura da ONU - FAO - informa que 75% das espécies vegetais utilizadas na alimentação humana já se perderam neste século. Que apenas três tipos de sementes - arroz, trigo e milho - respondem por dois terços da energia dietética consumida pela população do mundo. Que nos últimos 20 anos, o setor agrícola e de pesca despencou de 22% para 12%. E nos países em desenvolvimento esse número caiu de 30% para 15%. Que 41% das terras do planeta já são desertos ou estão em processo de desertificação.Que a cada ano desaparecem 40 mil km2 de florestas tropicais. Nesse ritmo, em 20 anos 15% da biodiversidade do planeta terá sumido.O que fazer?Para os profetas da economia neoliberal, a solução estaria na redução do número de habitantes do planeta. Três quartos da humanidade seriam dispensáveis, pois de acordo com suas contas, 20% da população dos países desenvolvidos são capazes de produzir tudo que o mundo necessita. E vão além, ao propagar que os excluídos representariam uma ameaça ao atual estado de coisas. Não só como potenciais revolucionários. Sutilmente, sugerem que eles seriam um fértil campo hospedeiro e posterior transmissor das denominadas infecções emergentes, que estariam tornando mais resistentes antigas doenças, além de responsáveis pelo surgimento de novos vírus, bactérias e parasitas. Reclamam que os antibióticos estão perdendo sua eficácia contra a tuberculose, pneumonia bacterial, infecções estreptocócicas e estafilocócicas.


Mas isso não é tudo. O excesso populacional estaria produzindo impacto negativo sobre o meio ambiente, favorecendo o surgimento de organismos exóticos como os mortíferos vírus do Ebola e da febre Lassa, identificados pela primeira vez no Zaire e na Nigéria. E do Hantavirus e Aids. Doenças como o cólera, dengue, encefalite e esquistossomose, estariam mais resistentes. Citam a manifestação de um novo tipo de malária no Brasil - Plasmodium falciparum - detectado em garimpeiros e resistente às medicinas disponíveis. Mencionam os germes patogênicos, a evolução do vírus morbilli que, além dos cães - suas principais vitimas - já exterminou um terço dos leões no parque Serengeti, Tanzânia. Nesta lista ainda estão focas, golfinhos e cavalos australianos. Não esqueceram de citar a enfermidade Creutzfeldt- Jacob, popularmente chamada de Vaca Louca, que infectou o gado inglês. Tudo isto os neoliberais atribuem ao excesso populacional, que seria ainda responsável pelas mudanças climáticas, causando o derretimento das calotas polares, dilúvios, secas, o efeito estufa, e até o buraco na camada de ozônio.Querem fazer crer que as vítimas são as culpadas.


E o que é mais grave: ao sugerir que os excluídos seriam hospedeiros e transmissores de doenças, estão comparando-os aos ratos.Seriam epidêmicos.Passíveis de extermínio.Mas como agem esses pouquíssimos donos do mundo que se eximem de qualquer responsabilidade?Com a palavra Jacques Diouf, diretor do Fundo Para a Agricultura e Alimentação (FAO): "O orçamento anual da entidade é menor que o dinheiro gasto em seis dias por nove países desenvolvidos, com comida para cães e gatos”.Finalmente: o planeta possui apenas 3% de água doce e destes, 2% se encontram nos pólos e nas geleiras. Do 1% restante, 25% estão na Amazônia. Além disso, o Brasil possui 80% do patrimônio genético do planeta, capaz de suprir todas as necessidades da humanidade.


Até quando? Com a palavra o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger: "Os países industrializados precisam ter à sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Para isso terão de montar sistemas mais requintados e eficientes de pressões e constrangimentos, que garantam a realização de seus objetivos".Com pouco mais de 5% da população mundial, EUA consomem 35% da energia produzida no mundo. Importam 60% de seu consumo. O petróleo em seu território está com os dias contados. Cientes disso, não poupam esforços para impor seu modelo econômico a governantes obedientes, assegurando- lhes a manutenção do poder a qualquer custo. Mesmo através da reeleição.


Até quando conseguiremos resistir? Com a palavra outro ex-secretário de Estado americano, Foster Dulles: "Há duas maneiras de se conquistar um país. Pelas armas ou pelas finanças".

Como reagir? Com a palavra o filósofo e pacifista inglês Bertrand Russel: "O liberalismo acha perfeitamente natural o patrão dizer ao empregado: morrerás à míngua! Mas não concorda se o subordinado responder: “morrerás antes à bala”! Que tal um pouco de reflexão?



Artigo de Georges Bourdoukan, publicado há nove anos na Revista Caros Amigos, e que este mês completa 10 anos.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O guarda e a ordem



O quão responsável cada um de nós é com a manutenção e a reprodução da ordem? Hoje volto a me perguntar o que por longo tempo evito. Não sei se fará sentido dizer isso, mas aqueles que, identificados como rebeldes, tendem a identificar em certas figuras ou posições sociais engrenagens ou peças fundamentais da guarnição da ordem. Digo: aqueles ligados ao Estado – juízes, delegados, policiais, funcionários; aqueles ligados ao mercado – patrões, gerentes, supervisores, proprietários; aqueles ligados aos dogmas espirituais/ideológicos – padres, sacerdotes, papas, pastores; além, obviamente, daqueles que cumprem funções e papéis híbridos. Todos são importantes bastiões da reprodução desse mundo injusto, opressor, hierárquico, capitalista. Certo.

Eventualmente somos capazes de realizar um exercício curioso: separar os seres humanos que encarnam esses papéis dos papéis que encarnam os seres humanos. Assim somos capazes de encontrar missionários que se recusam a converter aborígenes, policiais que questionam seus superiores e hesitam agredir populações desarmadas, coletores de impostos que fazem vistas grossas aos deveres fiscais de camponeses endividados e famintos. Como também o contrário: revolucionários tiranos, anarco-psicopatas, humanistas eugenistas... Não me parece uma reflexão complicada de se engendrar. Mas o limite do julgamento ético é sempre complexo: até que ponto há uma decisão humana ou uma ação desencadeada pela necessidade da posição e do papel incorporado pelo homem? Não quero cair num relativismo estéril. Assumo, como certa vez apontou Marx, que a herança sempre se apropria de seu herdeiro. De modo que internalizo a máxima indignação e radical oposição a todas as funções e papéis sociais relacionados diretamente ao mundo burguês, patriarcal, homofóbico, racista, etnocêntrico e hierárquico. Entretanto, entendo também que o homem não se reduz jamais àquilo que representa, e sempre pode resistir a qualquer ordem de enquadramento e disciplinamento. Ele pode rejeitar a sua herança!

Hoje, 18 de julho de 2007. Hoje isso faz mais sentido do que nunca. Hoje isso me é mais claro que até então tinha sido. 18 de julho de 2007. Estive num posto de saúde no bairro do Catete, no Rio. Um pouco febrel, algum sintoma de sinusite. Dois dias ruins, a cabeça latejante, o corpo escorrendo. Pouco mais de 16hs, fui ao posto médico, com aquela convicção típica da classe média consciente de seus direitos e blá-blá-blá. Disposto a discutir, a chamar polícia, Ministério Público, o caralho que o valha, se não fosse atendido. Assim entrei no posto de saúde do Catete. Minha primeira visão, diante dos portais de um velho casarão enfaixado de cartazes do SUS e todo tipo de propaganda de saúde governamental: NÃO ATENDEMOS URGÊNCIA! “Como não? Dúvido que não há um médico aí dentro capaz de me receitar um simples medicamento!”, pensei comigo. “Psssiiiit, psssiiiiit, pssiiiit”, foi o que ouvi de um segurança trajando azul-bebê. Fitei-o. Estava a um metro de mim. Com os olhos, mostrei que iria entrar. Ele se aproximou e disse que não havia ninguém para atender... o expediente para se encerrar. “O que você tem?”, perguntou o guarda. “Ora amigo, eu preciso de um médico, e vou falar com alguém que trabalha aí dentro!”, respondi com sinais de ira na face. E ele continuava, “Mas o que você tem?”. “Ai, cara, tenho sintomas de sinusite, preciso de um médico, e vou entrar”, retruquei já entrando no posto. Nisso o segurança, um homem negro calmo com seus 40 e poucos anos, me pediu para segui-lo. Ele entrou, falou com um funcionário que se negou a dar muita informação. Ao meu lado, contornou todo o recinto em busca de um médico, ele próprio, interpelando todos os funcionários para que disponibilizassem um antendimento naquele instante. Me indicou até o caminho da farmácia, caso necessitasse de medicamento. Fui finalmente atendido. A senhora graduada em medicina, depois de uma rápida sessão de perguntas, me receitou novalgina e algo para o nariz que já não recordo o nome. Assim retirei-me do consultório pouco mais de 10 minutos depois de entrar no posto, algo que acredito raramente ocorrer com qualquer digna pessoa que necessite de uma consulta médica do sistema público. Aterrorizante pensar.

Ao sair do lugar, agradeci ao segurança e pedi-lhe desculpas pelo mau-humor com o qual me dirigi a ele, pela rudeza e frieza que mediaram todo o contato que com ele estabeleci. E só então me dei conta: todos naquela repartição de saúde foram frios, indiferentes, distantes, patéticos, apáticos, e insensíveis comigo. Médicos, enfermeiros, burocratas, todos vazios. Evasivos. A única pessoa sensível e humana naquele lugar onde os seres humanos vão para ser tratados, curados, cuidados, o único ser humanizado naquele momento e lugar, era o responsável pela ordem, pela seguridade, era a representação do sistema de coerção, da força: o guarda! E nem mesmo era um guarda governamental, com garantias, salário estável etc, e sim o empregado mais precarizado e inseguro de todos, era um guarda terceirizado!
Deixo aqui, com este homem que não sei o nome e que certamente nem imagina o tipo de agitação promoveu em meu espírito combalido nesta tarde, minha mais sincera consideração de estima e admiração. Com ele aprendi mais das contradições do mundo. Com ele aprendi que mesmo derrotados, nunca estaremos vencidos. Com ele aceito cada dia mais a idéia de que o ser humano pode ir muito, mas muito além daquilo que fazem dele. Seguindo aquela bela imagem de Drummond, outra flor nasceu no asfalto...

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Apresento, senhoras e senhores, o famigerado mascote dos Jogos Pandemoníacos-Americanos do Rio 2007: o pequeno Caô

Amigos, creiam: é assim que os Jogos Pan-demoníacos-americanos vem sendo realizados na cidade do Rio de Janeiro - na base da corrupção, do favorecimento privado de investimentos públicos, da má-fé, da remoção de comunidades carentes residentes em "áreas nobres", da ocupação de favelas, da criminalização da pobreza...

Os moinhos também podem ser vencidos!





Se até a lírica se prest0u a causa da Revolução, por que todo humor necessita ser inocente? Ou apolítico? Ou descompromissado? Pois que é todo descompromisso senão uma posição contra a realidade e a ordem existente? Ou potencialmente um passo fundamental e possível para isso...

Sim, os moinhos existem. Não são gigantes fantásticos. Ou se são gigantes fantásticos, não são gigantes fantásticos irreais. São variados, simbolicamente concretos, idealisticamente efetivos. A maior parte, inclusive, habita dentro de nós, quando não participa de nossa própria identidade no mundo.